terça-feira, 16 de outubro de 2012

espelho

a vitrine espelhou
o que não interessava
às câmeras de segurança

o homem engravatado acendia o cigarro
do mendigo


COGITO

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.

(Torquato Neto)

sábado, 13 de outubro de 2012

" O AMOR, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar, 
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar..." F.P.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

domingo

onde foi mesmo?
no asfalto branco e cheiro de tinta
a boca aberta à tardinha
o time de homens pretos sob sol
uma garrafa pet arrasta o tempo sobre a mesa
e a outra assovia azulejos
enquanto os canos eficazes guardam
na superfície
a memória de um dia

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

três almas

Bianca e sua filhota brincam na praia
aos olhos negros de ambas
não se sabe quem é a criança, a Clara ou a Bianca

aquela que cuida
aquela que cria
a criança que doa
a que vive a magia

o amor de uma mãe boa
o frescor de uma amizade infante

janela aberta ao sorrir de uma
alma plena ao sorrir da outra

e o fruir silencioso de uma terceira
criança
que intensa
viveu o instante
Teresa

A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

(Manuel Bandeira)