quinta-feira, 19 de dezembro de 2013



Ricardo Silvestrin "palavra não é coisa"

palavra não é coisa
que se diga
quem toma a palavra
pela coisa
diz palavra com palavra
mas não diz coisa com coisa
a palavra pode ser pesada
a coisa, leve
e vice-versa não é coisa alguma
a palavra coisa
não é a coisa palavra
palavra e coisa
jamais serão a mesma coisa

SILVESTRIN, Ricardo. Palavra mágica. São Paulo: IEL/Massao Ohno, 1994.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

ciclo I

o medo,
garrafa vazia,
troque por outra
cheia
de desejo
beba imoderadamente
não se preocupe
viver é
retornável

ciclo II

morrer...
também acaba.


você fala demais

vamos dançar?

vamos dançar

num lugar onde normalmente

não se dança

e a gente vai e dança

e a gente vai e dança

e a gente vai e dança

e a gente vai e dança


o
desejo

do
mar

é

es
__pu
____mar

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Alberto da Costa e Silva: "Mais um poema de avô"

Mais um poema de avô

Para o Filipe

Se te disserem, "vê, a vida é breve", 
ao falarem de mim, no meu descanso, 
repara ao teu redor, vê como para 
em cada cousa o tempo e se faz leve.

Vou sob o sol desta manhã de março, 
e eis o musgo, e eis o risco que no muro 
pôs no meu teu olhar limpo de enganos. 
Ou pus no teu o meu, o antigo e puro.

Que não te deixe a distração da brisa 
pensar que já não és este minuto. 
Cada instante que fomos sempre somos 
e canta, ainda que pareça mudo.

Costa e Silva, Alberto da. Poemas reunidos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.

>>retirado do blog do Antonio Cicero

segunda-feira, 27 de maio de 2013


Não separar a água
da sua espuma
que a vida é só uma




BRITO, Casimiro de. A boca na fonte. Lisboa: Lua de Marfim, 2012.

>> reitirado do blog acontecimentos, de antonio cicero

quinta-feira, 25 de abril de 2013

que a música não existe
e o homem sendo o cheiro do homem,
é de um respiro que sai aquilo tudo o que (não) podemos
bem pouco, é muito pouco.
do muito muito muito pouco
inventa-se
a emoção
- alimento.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Machado de Assis: "Uma criatura"

Uma criatura

Sei de uma criatura antiga e formidável,
Que a si mesma devora os membros e as entranhas,
Com a sofreguidão da fome insaciável.

Habita juntamente os vales e as montanhas;
E no mar, que se rasga, à maneira de abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.

Traz impresso na fronte o obscuro despotismo.
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e de egoísmo.

Friamente contempla o desespero e o gozo,
Gosta do colibri, como gosta do verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.

Para ela o chacal é, como a rola, inerme;
E caminha na terra imperturbável, como
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.

Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo
Vem a folha, que lento e lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo.

Pois essa criatura está em toda a obra:
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto;
E é nesse destruir que as forças dobra.

Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida,
E sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu dirás que é a Morte; eu direi que é a vida.

MACHADO DE ASSIS. "Ocidentais". In:_____. Obra completa. Vol.III. Rio de Janeiro: Aguilar, 1973.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

GRITO ERÓTICO - MANUELA AMARAL

Caluniaste o meu corpo
ao longo dos teus gestos
sem medida

Desde a palavra exacta
do meu sexo
e soletraste-me puta

Puta
Puta

Angustiosamente erótica
abri-me em coxas
e penetrei-te na minha fauna aquática
Grito marinho
a escorrer nas algas
do meu ventre

Puta
Puta